domingo, 13 de novembro de 2016

Uma Análise do livro de Michael Haykin, "Nós Confiamos no Sangue da Salvação": Expiação Limitada na Igreja Primitiva" (57-74)

Tradução  da obra:  The Extent of The Atonement, A Historical and Critical Review, autor David L. Allen, Editora B&H Academic, pag. 662-666.

David L. Allen analisa criticamente a suposta proposta apresentada por Michael Haykin de que os pais da igreja defendiam uma Expiação Limitada. Tendo feito essa considerações vamos ao texto de David L. Allen.

Uma Análise  do livro de Michael Haykin, "Nós Confiamos no Sangue da Salvação": Expiação Limitada na    Igreja Primitiva"  (57-74)

Traduzido por  Josimar Rodrigues.

Michael Haykin contribui com um capítulo sobre a expiação limitada na igreja primitiva. Embora talvez Haykin seja conhecido mais como um erudito da história Baptista, ele escreveu uma dissertação sobre a controvérsia Pneumatológica  no quarto século. Historicamente, o ponto inicial de partida para examinar a questão da extensão da expiação seria o período da patrística.
Antes de lançar uma discussão sobre os sete principais pais da igreja, Haykin apontou que a questão da extensão da expiação não era controversa na igreja primitiva. Então "o que pode ser extraído desta doutrina daquela época são principalmente comentários implícitos e não afirmações direta".[20]
                Este é um ponto importante, porque na verdade não há nenhuma afirmação aberta sobre expiação por qualquer pai da igreja, embora existam várias declarações claras sobre a preocupação com a expiação universal. Haykin examinou os seguintes sete principais pais da igreja: Clemente de Roma, Justino Mártir, Hilário de Poitiers, Ambrósio, Jerônimo, e brevemente Agostinho e Próspero de Aquitânia.[21]

Clemente de Roma.

Haykin aceitou o "resumo contextual" de Gill que "os eleitos de Deus" com "nós" em 1 Clemente 49:5 sendo "inteiramente justificável."[22] Mas isso não é prova de que Clemente tenha defendido uma expiação limitada no sentido de que Cristo morreu apenas pelos pecados dos eleitos. Na verdade, Haykin até mesmo nos apontou 1 Clemente 7:4, onde ele diz que o sangue de Cristo "disponibilizado conquistou a graça do arrependimento ao mundo inteiro". Isso parece ser uma declaração clara afirmando uma expiação universal através de Cristo para o mundo. Haykin concluiu sua breve análise de Clemente, observando que as passagens examinadas "fornecem vislumbres de perspectivas soteriológicas, uma das quais parece estar claramente de acordo com as ênfases do NT que a morte de Cristo foi para os eleito."[23] Isso está muito longe de afirmar que o próprio Clemente defendeu uma expiação limitada.

 Justino Mártir.

Aqui Haykin elencou talvez uma dúzia de declarações de Justino, que fala especificamente sobre a questão da extensão da expiação. Haykin concluiu que "todas estas referências implicam especificidade na extensão da expiação". Duas coisas devem ser observadas: (1) Haykin "sugere"  e "afirma" que Justino Mártir não ensinou abertamente e nem definiu uma expiação, (2) na realidade, contextualmente todas essas referências demonstram e implicam especificidade com respeito à expiação para aqueles que Crer, não uma expiação limitada de pecados para os eleitos somente. Haykin então apontou com razão para um texto-chave que indica que Cristo morreu pelos pecados de todos: Cristo sofreu "no lugar da raça humana."[24] Mas Haykin concluiu que esses textos de Justino "não fornecem uma declaração clara sobre a extensão da expiação" A tentativa de sobrepor a afirmação clara de Justino sobre uma expiação universal com suas outras afirmações e concluir então que "elas podem muito bem ser interpretadas como afirmando uma particularidade na extensão da expiação"[25] equivale a uma súplica apelativa. Há peculiaridades na aplicação da expiação como todos os pais da igreja afirmam. Mas não há nenhuma declaração limitando a expiação em sua extensão exclusivamente  para os eleitos.
Hilário de Poitiers.

Haykin citou Hilário em Sl. 129:9, incluindo a declaração de que Cristo "veio para remover os pecados do mundo."[26] Notando que Hilário frequentemente usou o plural da primeira pessoa em relação à expiação em seu comentário sobre os Salmos, Haykin concluiu que "o conceito de redenção particular não está fora do alcance do pensamento de Hilário."[27] Mas isso não leva em conta que quando qualquer autor, bíblico ou não, fala da expiação no contexto de dirigir-se a crentes ou com referência a crentes, o uso de plurais em primeira pessoa seria inevitável e de modo algum servirá para indicar que o autor estava falando apenas dessas pessoas. Assumir tal postura seria invocar a falácia de inferência negativa. Que a morte de Cristo "tem um significado especial para os crentes"[28] não é negada por ninguém, mas certamente não implica uma expiação limitada.

Ambrósio.

Aqui Haykin observou que "uma análise atenta das declarações de Ambrósio sobre a cruz revela as sementes de certas explicações textuais ... que mais tarde seriam empregadas na defesa da expiação limitada no final do século XVI e XVII."[29] Mas, novamente, esta não é nenhuma prova de que Ambrósio defendeu a expiação limitada. Haykin, dependente da tradução originalmente do Latim feita por Gill e Gill's, onde afirmam que Ambrósio empregou o duplo argumento do risco que John Owen usou para sustentar seu caso para a expiação limitada. Mas contextualmente, duas coisas se tornam evidentes.
Em primeiro lugar, está claro que Ambrósio afirmou a expiação universal na seguinte citação que precede imediatamente a citação feita por haykin:
A Escritura disse também, de uma maneira maravilhosa: "Ele o entregou por todos nós", mostrando que Deus ama a todos que entregou o seu filho amado por cada um. Para os homens, portanto, Ele deu o dom [salvação] que está acima de todos os dons; Seria possível  que Ele não tenha oferecido a todos esse dom?[30]
Aqui, a dependência de Haykin em relação a Gill nesse ponto é problemático. Nada em Ambrósio levaria a concluir que ele afirmava uma expiação limitada.
Em segundo lugar, Ambrósio não estava usando o argumento do duplo risco (uma pessoa sendo punida duas vezes pelo mesmo crime) como Owen usou. Como Shedd observou com razão, o duplo risco como Owen tentou usá-lo é inadmissível porque nenhuma pessoa está sendo punida duas vezes.[31] Na seção que Haykin citou de Ambrósio, Ambrósio deixou claro que ele estava se dirigindo aos crentes (observe a segunda pessoa "você"). Ele já declarou que Cristo morreu pelos pecados de todos os homens. Agora ele está endereçando os benefícios dessa salvação para aqueles que creem. Ambrósio está justamente distinguindo entre a extensão da expiação e a aplicação da expiação, o que Owen e Haykin não fazem. O significado para Ambrósio é que os crentes não podem mais ser responsabilizados pelo castigo futuro.

Jerônimo.

Haykin citou o Comentário de Jerônimo sobre Mateus (3,20) com referência a Mateus 20:28. Ele admite que há ambiguidade na declaração de Jerônimo, mas disse que as palavras "insinuam que Jesus viu a morte de Cristo para um grupo particular de pessoas - crentes."[32] Novamente, aqui as questões são se Jerônimo tem em mente a intenção, extensão ou aplicação da expiação. Nada nesta citação afirma a expiação limitada nem impede a expiação universal. "Sugerem que Jesus viu a morte de Cristo como sendo para um grupo particular de pessoas - crentes".

Agostinho.

Haykin nunca disse que Agostinho ensinou uma expiação limitada, mas afirmou que alguns de seus comentários "sugerem."[33] Apelou às declarações de Agostinho sobre João 10:26; 14:2; e 1 João 2:2. Muitos calvinistas que defendem uma expiação ilimitada interpretam 1 João 2:2 se referindo apenas à igreja.[34] Além disso, Haykin não observou o fato de que é claro que Agostinho pensou que Jesus expiou os pecados de Judas![35]
Não usarei o espaço aqui para relatar as diversas vezes que Agostinho afirmou a expiação ilimitada através do uso de frases tais como Cristo morreu "pelos pecados de todo o mundo", a morte de Cristo é o "resgate do mundo inteiro" e como Cristo "pagou o preço pelo mundo inteiro". Olhe "Agostinho" acima. Em sua Exposição sobre o Livro dos Salmos, Agostinho falou do "mundo" em relação à expiação de tal maneira que exclui qualquer possibilidade de significado diferente para cada pessoa do mundo.[36]
Haykin apelou para a opinião de Raymond Blacketer sobre Agostinho. Curiosamente, Blacketer corretamente observou que "não há nenhuma declaração única do bispo de Hipona que explicitamente declara que a intenção de Deus no sacrifício de Cristo era obter redenção apenas para os eleitos ". Mas ele, então, incorretamente concluiu que essa era "precisamente a visão que Agostinho tinha."[37]
Blacketer, e talvez Haykin, confundiu as declarações de Agostinho sobre a vontade predestinadora de Deus para os eleitos com sua visão sobre a satisfação real por todo o pecado, o que Cristo realizou na expiação.

Próspero.

Haykin também erroneamente interpretou Próspero primeiro dando "fortes sugestões de uma expiação limitada em Agostinho."[38] Ele citou Próspero como dizendo que Cristo morreu "por todos", mas também notou que Próspero disse "que Ele foi crucificado apenas por aqueles que se beneficiam com sua morte."[39] Haykin não conseguiu discernir em que sentido Próspero fez essas declarações. Em resposta à objeção de que Cristo "não sofreu pela salvação e redenção de todos os homens", Próspero afirmou claramente a morte de Cristo pelos pecados de todos, mas também afirmou que somente aqueles que creem se beneficiarão da obra salvadora de Cristo: "Uma vez que nosso Senhor tomou sob si mesmo a única natureza e condição que é comum a todos os homens, é correto dizer que todos foram redimidos e que, no entanto, nem todos são realmente retirados da escravidão do pecado."[40]
Haykin observou ainda que Próspero, posteriormente em sua carreira , "parece ter suavizado esse compromisso com a expiação limitada, ou mesmo o tenha a rejeitado em favor de uma defesa da vontade salvífica universal de Deus com base em sua leitura de 1 Timóteo 2:4."[41] Mas mesmo em seu período anterior, o chamado alto agostiniano, Próspero manteve a mesma exegese de 1 Tim 2:4 que ele em sua alegada fase de partida fez mais tarde. 
Não há nenhuma evidência de sua interpretação de 1 Tim 2:4 na Chamado dos Gentios que Próspero partiu de uma suposta posição anterior da expiação limitada. Tudo isso é um desvio de Próspero e pode ser visto quando se lê cuidadosamente as seções pertinentes da sua defesa de St. Agostinho.[42] É evidente que Próspero afirmava a expiação ilimitada e nunca a expiação limitada.
Em conclusão, Haykin deve ser elogiado pelo fato dele não afirmar que nenhum desses autores que ele pesquisou afirme claramente a expiação limitada. Mas ele deve ser criticado por várias questões. Primeiro, o capítulo é apenas uma breve pesquisa de sete pais da igreja. Em segundo lugar, Haykin perdeu significativa evidência contrafactual que mostra claramente alguns desses homens afirmando uma justificação ilimitada de pecados e, portanto, não afirmam uma expiação limitada. Jerônimo é um exemplo. Ele não trabalhou todos os escritos existentes dos seus escolhidos pais da igreja com o objetivo de se envolver em uma pesquisa analítica/sintética. Reconheço que ele não pode cobrir todo o campo; Ninguém poderia. No entanto, é preciso ter mais base do que se reflete neste capítulo. Terceiro, ele parece depender fortemente de fontes secundárias (Gill e Blacketer) e não consegue interagir com outras fontes secundárias significativas. São problemas metodológicos sérios.
O capítulo de Haykin passa a sensação de estar apressado e muito dependente de fontes secundárias. Esta não é certamente a norma para a escrita de Haykin. Eu aprecio sua meticulosidade cuidadosa e usual. Mas neste caso, seu capítulo não é um guia confiável sobre este assunto.





[20]  M. Haykin, "'We Trust in the Saving Blood': Definite Atonement in the Ancient Church," in From Heaven He Came and Sought Her, 60.
[21]  Veja o capítulo um da primeira parte desta obra.
[22]  M. Haykin, "'We Trust in the Saving Blood': Definite Atonement in the Ancient Church," 61.
[23]  Ibid., 62.
[24]  Ibid., 64. Justin Martyr, "Dialogue with Trypho. a Jew," The Apostolic Fathers, Justin Martyr, Irenaeus, in Ante-Nicene Fathers, 10 vols., ed. A. Roberts and J. Donaldson, rev. By A. C. Coxe (1885; repr. Peabody, MA: Hendrickson, 2004), 1:247.
[25]  Ibid., 65.
[26]  Ibid., 67.
[27]  Ibid., 68.
[28]  Ibid.
[29]  Ibid., 70.
[30]  Ambrose, "Jacob and the Happy Life," in Seven Exegetical Works. Fathers of the Church 65, trans. M. P. McHugh       (Washington: Catholic University of America Press, 1970), 135-36.
[31]  W. G. T. Shedd, Dogmatic Theology (Nashville, TN: Thomas Nelson, 1980), 2:443.
[32]  M. Haykin, "'We Trust in the Saving Blood': Definite Atonement in the Ancient," 70.
[33]  Ibid., 71.
[34]  For Examples, see my chapter "The Atonement: Limited or Universal?," in Whosoever Will: A Biblical-Theological Critique of five-Point Calvinism, ed. D. L. Allen and S. Lemke (Nashville: B&H Academic, 2010), 61-107.
[35]  See Augustine's "Exposition of Psalm LXIX," Section 27, in NPNF, eds. P. Schaff and H. Wace (1892; repr Peabody, Ma: Hendrickson, 2004), 8:309.
[36]  Augustine, "Exposition of Psalm XCVI," in NPNF, 8:472. For evidence that Augustine clearly held to universal atonement, see the section on Augustine above.
[37]  R. Blacketer, "Definite Atonement in Historical Perspective," in The Glory of the Atonement Biblical, Historical   and Practical Perspectives, ed. C. Hill and F. James III (Downers Grove, IL: InterVarsity, 2004), 308.
[38]  M. Haykin, "'We Trust in the Saving Blood': Definite Atonement in the Ancient," 72.
[39]  Ibid., 72.
[40]  Prosper, "Prosper of Aquitaine: Defense of St. Augustine," trans. and annotated P. De Letter, S. J., in Ancient Christian Writers, 66 vols. (New York: Newman, 1963), 32:164.
[41]  M. Haykin, "'We Trust in the Saving Blood': Definite Atonement in the Ancient," 73.
[42]  Prosper, "Prosper of Aquitaine: Defense of St. Augustine," 32:149-51; 32:159-60; 32:164.

Deuteronômio 32 ensina o determinismo? Uma analise do Cântico de Moisés.


 Deuteronômio 32 ensina o determinismo? Uma analise do Cântico de Moisés.  

 
 Introdução

Um texto muito usado por deterministas para provar a soberania exaustiva é Deuteronômio 32 principalmente o verso 39 que diz:

“Vede agora que eu, eu o sou, e mais nenhum deus há além de mim; eu mato, e eu faço viver; eu firo, e eu saro, e ninguém há que escape da minha mão”.

Alguns dizem pelo simples fato do texto falar que Deus faz viver, fere, sara e que não há ninguém que possa escapar das suas mãos, esse texto mostra a meticulosidade da determinação de Deus! Mas seria esse texto base para o determinismo? Ou simplesmente seria uma má interpretação vinda de não se analisar o contexto dessa passagem? Neste breve estudo vamos colocar o texto em seu contexto e depois detalharemos o cântico de Moises no capitulo 32. Essa analise vai provar que esse texto não da base o determinismo, mas simplesmente mostra que Deus é justo em seus juízos, pois pune os maus, mas quando existe arrependimento sua misericórdia se estende aos arrependidos.

1. O contexto

            Essa passagem está relacionada a Deuteronômio 31.26 – 30 que mostra o testemunho de Moises a Israel contra a obstinação do povo. O texto diz:

            “Tomai este livro da lei, e ponde-o ao lado da arca da aliança do Senhor vosso Deus, para que ali esteja por testemunha contra ti”. Porque conheço a tua rebelião e a tua dura cerviz; eis que, vivendo eu ainda hoje convosco, rebeldes fostes contra o Senhor; e quanto mais depois da minha morte? Ajuntai perante mim todos os anciãos das vossas tribos, e vossos oficiais, e aos seus ouvidos falarei estas palavras, e contra eles por testemunhas tomarei o céu e a terra. Porque eu sei que depois da minha morte certamente vos corrompereis, e vos desviareis do caminho que vos ordenei; então este mal vos alcançará nos últimos dias, quando fizerdes mal aos olhos do Senhor, para o provocar à ira com a obra das vossas mãos. Então Moisés falou as palavras deste cântico aos ouvidos de toda a congregação de Israel, até se acabarem: Deuteronômio 31:26-30”

F.F Bruce segue na mesma direção ao apontar o contexto do capitulo 32 dizendo:

“No seu contexto, isso está relacionado a 31.28,29 e, na verdade, é o testemunho de Moisés a Israel, em termos que poderiam ser aplicados a qualquer época da história do povo.[1]


Moises acabara de ter sido avisado por Deus que no decorrer dos anos o povo se rebelaria contra o Senhor que os resgatou do Egito (31.14 – 20). Isso de acordo com o texto aconteceria não por uma determinação de Deus, mas por causa da desobediência do povo que quebraria o concerto firmado com o Altíssimo. Assim, o Senhor manda Moises escrever um cântico e ensinar o mesmo a todo o povo para que quando essas coisas se cumprirem, o cântico, responda contra eles mestrando a rebeldia dos mesmos.

2. Analisando o Cântico de Moises

O capitulo 32 nos mostra Moisés obedecendo à ordenança divina e entregando o cântico ao povo. O cântico começa em uma linguagem poética tomando os céus e a terra como testemunha (32.1 – 2). Não é a primeira vez que Deus toma os céus e a terra como testemunha de suas palavras, pois no capitulo 30 Deus diz:

Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência,” Deuteronômio 30:19


Os céus e a terra mais uma vez são chamados como testemunha das palavras de advertência sobre o que viria por causa da desobediência ao concerto estabelecido. A similaridade das testemunhas dos capítulos 30 e 32 nos mostram o que Deus esta dizendo ao povo, a saber, que a criação testemunhará para mostrar que o castigo sobreveio por não serem fieis ao concerto feito com o altíssimo. O teólogo Martthy Henry acertadamente diz:

“Com um apelo solene, aos céus e à terra, a respeito da veracidade e importância do que ele estava prestes a dizer; e a justiça dos procedimentos divinos, contra um povo rebelde e relapso, pois tinha dito (cap.31.28) que neste cântico chamaria os céus e a terra como testemunhas contra eles. Os céus e a terra ouviram antes mesmo deste povo perverso que não refletia. Pois eles não se rebelaram quanto a obediência de seu Criador, mas permanecem até hoje, segundo as suas ordenanças, como seus servos (SL119.89 – 91).” [5]


Assim, o cântico nos mostra que Deus está advertindo Israel que não existirão desculpas, pois foram avisados por Deus e não seriam condenados de maneira injusta.

2.1. A declaração preliminar da acusação

             “Porque apregoarei o nome do Senhor; engrandecei a nosso Deus. Ele é a Rocha, cuja obra é perfeita, porque todos os seus caminhos justos são; Deus é a verdade, e não há nele injustiça; justo e reto é. Deuteronômio 32:3.4”

Os versos citados vão fazer uma exaltação da perfeição de Deus e de sua justiça, mostrando ao povo que não existe injustiça quando Ele (Deus) exerce seu juízo. Deus assim, esta livre de qualquer acusação de injustiça que os filhos de Israel possam tentar usar para se justificarem. Uma vez que esses versos mostram a seu povo que Deus julga com justiça. Temos na sequencia uma declaração preliminar da acusação contra Israel.

“Corromperam-se contra ele; não são seus filhos, mas a sua mancha; geração perversa e distorcida é. Recompensais assim ao Senhor, povo louco e ignorante? Não é ele teu pai que te adquiriu, te fez e te estabeleceu? Lembra-te dos dias da antiguidade, atenta para os anos de muitas gerações: pergunta a teu pai, e ele te informará; aos teus anciãos, e eles te dirão.” Deuteronômio 32:5-7

O motivo de Deus castigar seu povo esta de forma resumida nestes versos mostrando que foi pelo fato dos mesmos se corromperem contra Ele que estavam sendo disciplinados. É por isso que Deus os chama a lembrar das maravilhas realizadas em beneficio do povo de Israel. Isso fica muito claro ao observarmos essas lembranças nos versos 8 a 14, pois os mesmos chamam a atenção em dizer como Deus foi bondoso com eles (Israel) diante das nações (verso 8), como considerou os mesmo como sua herança (verso 9), como foram considerados a menina dos seus olhos (verso 10), como os protegeu igual águia que protege seus filhotes (verso 11), como Ele os guiou (verso 12) e como os sustentou com bondade (verso 13 e 14). A ingratidão do povo ao desprezar tamanha benevolência ofende a justiça de Deus e traz o julgamento sobre eles. Isso fica ainda mais evidente quando observarmos o detalhamento da acusação que os próximos versos mostram.

2.3. A acusação detalhada contra Israel

Do verso 15 até o 18 vemos as acusações detalhadas das perversidades cometidas por Israel. O texto diz:

   “E, engordando-se Jesurum, deu coices (engordaste-te, engrossaste-te, e de gordura te cobriste) e deixou a Deus, que o fez, e desprezou a Rocha da sua salvação.Com deuses estranhos o provocaram a zelos; com abominações o irritaram.Sacrifícios ofereceram aos demônios, não a Deus; aos deuses que não conheceram, novos deuses que vieram há pouco, aos quais não temeram vossos pais. Esqueceste-te da Rocha que te gerou; e em esquecimento puseste o Deus que te formou; Deuteronômio 32:15-18”


O povo de Israel desprezou a Rocha da sua salvação, serviram a deuses estranhos, fizeram abominações e esqueceu-se de Deus desprezando tudo que Ele tinha feito por eles. O texto nos diz que é por causa de todas essas abominações que Deus traria a sua justa punição, ou seja, a ira de Deus foi provocada pela ingratidão e afronta dos israelitas que deveriam alegremente obedecer ao concerto de Deus, pois o mesmo sempre foi benevolente para com eles. Assim, tendo anunciado a acusação, Deus anuncia a sentença que aplicaria sobre eles.

2.4. A Sentença é declarada

Os versos de 19 a 25 vão nos mostrar a sentença que será aplicada pela transgressão. O texto diz:

O que vendo o Senhor, os desprezou, por ter sido provocado à ira contra seus filhos e suas filhas; E disse: Esconderei o meu rosto deles, verei qual será o seu fim; porque são geração perversa, filhos em quem não há lealdade. A zelos me provocaram com aquilo que não é Deus; com as suas vaidades me provocaram à ira: portanto eu os provocarei a zelos com o que não é povo; com nação louca os despertarei à ira. Porque um fogo se acendeu na minha ira, e arderá até ao mais profundo do inferno, e consumirá a terra com a sua colheita, e abrasará os fundamentos dos montes. Males amontoarei sobre eles; as minhas setas esgotarei contra eles. Consumidos serão de fome, comidos pela febre ardente e de peste amarga; e contra eles enviarei dentes de feras, com ardente veneno de serpentes do pó. Por fora devastará a espada, e por dentro o pavor; ao jovem, juntamente com a virgem, assim à criança de peito como ao homem encanecido. Deuteronômio 32:19-25”

O Comentário bíblico Moody explica muito bem a sentença que Deus aplicaria a seu povo:

 (Ele) os desprezou. . . e disse: Esconderei . . . o meu rosto. Aplicando o princípio da lex talionis, Deus rejeitaria Israel e retiraria Sua proteção. Ele despertaria o ciúme de Israel através de um povo que não é povo (v. 21; cons. Ef. 2:12). Isto é, Ele garantiria a um povo que desconhecia o favor da Sua aliança, a vitória sobre os filhos em quem não há lealdade (v. 20b). Amontoarei males sobre eles. Nos versículos 23-25 as maldições da aliança, especialmente a pestilência, a fome e a espada, os terrores que vinham junto com o clímax do cerco e do exílio, estão sendo postos em destaque (cons. cap. 28). Nisso residiria o triunfo daquele que não é povo. Como resultado do cerco, Israel seria removida do reino de Deus, vindo a se tomar ela mesma, aquela que não é povo (cons. Os. 1:9).[2]

De acordo com o comentário de Moody Deus aplicaria as seguintes sentenças:
1ª. Retiraria sua proteção
2ª. Ele permitiria que um povo gentio vencesse Israel,
3ª. As maldiçoes oriundas da quebra da aliança do capitulo 28.
4ª Israel iria ser cativa pelos seus inimigos.

Todas essas mazelas viriam por causa da desobediência e não porque Deus simplesmente decidiu punir seu povo sem causa! É exatamente isso que nos aponta o verso 18 deste capítulo onde nos é dito que foi por eles terem abandonado ao Senhor que o mesmo os castiga.

2.5. O castigo pela a crueldade apresentada pelos inimigos de Israel mostra a misericórdia de Deus para com Israel.

            Muitos têm usado o argumento que Deus usou um povo gentio para vencer a Israel determinando o seu pecado e ao mesmo tempo culpando os mesmos por ter feito o que Ele determinou, mas tal afirmação força o texto não dando uma correta interpretação. O texto diz que Deus não destruiria a nação totalmente, pois Deus não queria que seus inimigos achassem que venceram por seus próprios esforços ou deuses (verso 26 a 28). Deus permitiu que Eles vencessem a Israel para assim punir seu povo por seus maus atos, mas Eles deveriam ter entendido que o povo de Israel só poderia ser conquistado se o seu Divino protetor os tivesse entregado (verso 30 ao 34). Deus punirá os inimigos de Israel, pois os mesmos aproveitaram a ocasião para serem cruéis menosprezando não apenas Israel, mas atribuindo a seus deuses a vitória (35).
Sobre isso mais uma vez Comentário Bíblico de Deuteronômio Moody é preciso, pois diz ao comentar os versos 29b a 34:

“Além disso, se o inimigo fosse sábio, atentariam para o seu fim. Este tema continua no versículo 32 e segs. Sua arrogância se transformaria em tremor, se entendessem que o Deus de Israel, que julgou até o Seu próprio povo com ira abrasadora, certamente os julgaria também com justiça estrita (v. 34) por causa de sua depravação e crueldade (vs. 32, 33). O maior dos males da nação inimiga seria o de estar em inimizade com o povo de Deus. Porque, embora isto representasse a vara da ira de Deus contra Israel, seus próprios motivos e propósitos seriam bastante diferentes (cons. 27b; Is. 10:7 e segs.).”[3]

            Assim o hino nos está a mostrar que os inimigos de Israel ao invés de orgulho deveriam ter temor, mas não foi esse o sentimento deles, pois achariam que venceram ao Senhor e por essa razão receberiam o catigo.
            O texto vai do verso 34 ao 42 mostrando a misericórdia de Deus ao seu povo, pois Deus não permitiria que os inimigos de Israel os destruíssem totalmente, mesmo que os mesmos merecessem tal castigo.

2.6 O final do hino

O hino termina dizendo para todas as nações da terra se alegrar, pois Deus seria misericordioso com eles. Isto claramente é uma benção, uma boa noticia, pois a nação da onde viria o Salvador seria preservada pelas mãos poderosas de Deus. O Comentário de Moody mais uma vez nos mostra essa alegria contida neste verso 43:

            O hino termina com a perspectiva do júbilo sobre o juízo de Deus que envolve ambos, a retribuição ao inimigo e a expiação de toda a culpa dentro do reino de Deus. Uma vez que as nações são universalmente chamadas para participarem da alegria da salvação de Deus, o horizonte desta esperança é claramente a era messiânica, quando todas as nações da terra encontrarão bênçãos na semente de Abraão.[4]

Podemos glorificar a Deus por proteger seu povo cumprindo sua promessa feita a Abraão de abençoar todas as famílias da terra!

Conclusão: Agora fica fácil entender o verso 39

Agora que colocamos o contexto e analisamos completamente o hino de Moises fica fácil compreender o verso 39 que diz:

            "Vejam agora que eu sou o único, eu mesmo. Não há deus além de mim. Faço morrer e faço viver, feri e curarei, e ninguém é capaz de livrar-se da minha mão. Deuteronômio 32:39”

            Deus está falando para seu povo que não existe outro Deus, pois Ele é único! Os idolatras confiariam no poder de seus deuses para defendê-los, mas eles se mostrariam incapazes diante do Deus verdadeiro. Portanto o povo de Deus deveria aprender que o seu Deus era o único Senhor! Deus também é o dono da vida e da morte, pois é Ele o criador e, portanto pode dar vida e tirar a vida. Ele pode castigar com feridas os desobedientes e curar os mesmos quando existe arrependimento e, ninguém pode escapar dos seus justos juízos.
            São essas verdades que o texto está apresentando, pois o nosso Senhor é Deus justo e santo! Deus não determinou a maldade dos povos apresentados neste texto (Israel e gentios), mas puniu a maldade que eles fizeram de maneira livre. Aleluia, o nosso Deus é o Justo juiz de toda a Terra!
             
           
             




  

  

           

           





 






[1] Comentário Biblico NVI F.F Bruce pagina 385.
[2] Comentário Bíblico Moody sobre Deuteronômio  pagina 113.
[3] Ibird, pagina 114
[4] Ibird, pagina 115.
[5] Matthew Henry pagina 661


             
           
             



  

  

           

           









segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Serie "Que falem os primeiros Cristãos!" Aborto um problema muito anterior ao Século XXI!



Como os casais de hoje, os casais romanos tinham o problema da gravidez não planejada. Faltando os métodos modernos de “planejamento familiar”, tinham três maneiras de tratar com o problema: às vezes estrangulavam o menino recém-nascidos, as vezes o abandonavam na rua (onde ou morria ou era recolhido para ser criado como escravo), e as vezes praticavam o aborto. Ao invés do que você possa ter pensado o aborto não é invento do século vinte. O bacharel cristão Félix repreendeu aos romanos, dizendo:
“Há mulheres entre vocês que tomam uma poção especial para matar ao futuro humano que levam em seu ventre, assim cometendo homicídio ainda antes de dar a luz.”
Ainda que os romanos aceitassem o aborto como prática moral e civilizada, os primeiros cristãos o opunham vigorosamente. Quando alguns romanos levantaram a acusação absurda que os primeiros cristãos matavam e comiam os meninos em suas cerimônias religiosas, Atenágoras, um apologista cristão que escreveu no ano 170, contestou estas acusações com as seguintes palavras:
“Quando dizemos que aquelas mulheres que usam as poções para causar o aborto são homicidas e terão que prestar contas a Deus por seu ato, como seria possível que matássemos [aos infantes]? Seria insensatez que disséssemos que o menino na matriz é criação de Deus, e, portanto objeto do cuidado de Deus, e depois que nasça o matássemos.”

Tertuliano o explicou aos romanos assim:

“Em nosso caso, já que proibimos o homicídio em qualquer forma, não podemos destruir nem sequer ao menino na matriz… Impedir que nasça um menino é somente uma forma de matar. Não há diferença se mata a vida do que nasceu já, ou se mata a vida do que não nasceu ainda.”

 Admiravelmente, os cristãos evangélicos de hoje geralmente se opuseram ao aborto bem como os primeiros cristãos. Espero que nossa posição não dependa de nossa cultura, mas não sei se assim será. O povo conservador da sociedade americana não aceitou o aborto ainda; os legisladores e os juízes conservadores se opõem ao aborto. Mas se sua posição mudar, seguiremos nós o mesmo? No momento parece impossível que os evangélicos mudem sua atitude para com o aborto. Mas há um século, quem teria imaginado que o divórcio seria aceito nas igrejas evangélicas?

Fonte: Que falem os primeiros cristãos pagina 31 e 32. 

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Dos que resistem ao Espírito Santo! (Uma refutação ao argumento de Gordon Haddon Clark sobre comentário de Atos 7.51)

Dos que resistem ao Espírito Santo! (Uma refutação ao argumento de Gordon Haddon Clark sobre comentário sobre Atos 7.51)

Por. Pr. Anderson de Paula

Hoje vi uma calvinista comentando um texto que escrevi e que um amigo compartilhou. O meu texto versava sobre Atos 7.51. Esse texto mostra de forma clara que os homens naquele contexto resistiram ao Espírito Santo. Vamos analisar a resposta de Clark (calvinista) parte por parte. Em primeiro lugar, Clark diz:

“O próximo versículo é Atos 7:51: “Homens de dura cerviz e incircuncisos de
coração e de ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim como fizeram
vossos pais, também vós o fazeis”. Esse versículo é supostamente inconsistente
com a graça irresistível, e implica, portanto, que o homem tem habilidade para
se converter.”

Em primeiro lugar, não ensinamos que o homem tem em si a habilidade de se converter, mas ensinamos que o homem não pode por si mesmo se converter a Deus. Aqui entendemos que a graça de Deus vai a todos, capacitando os homens a responder ao chamado do evangelho. O fato de o texto mostrar que a graça pode ser resistida não implica em dizer que o homem tem algum tipo de habilidade natural para conversão. Antes que o homem possa crer é necessário que a graça o alcance, capacitando o homem a responder em fé ou resistir a ação da graça que o capacita. Um texto que mostra a atuação da graça em capacitar o homem a responder ao chamado do evangelho é o texto de Romanos 10.17 que diz:

“De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus.”

É muito importante colocar a própria interpretação de Armínio sobre esse texto:

“Isto [a graça] é efetuada pela Palavra de Deus. A persuasão é efetuada externamente pela pregação da palavra e internamente pela operação, ou melhor, a cooperação do Espírito Santo para que a Palavra possa ser compreendida e apreendida pela fé verdadeira.”(Fonte: James Arminius, “A Declaration of the Sentiments of Arminius,” Works, III, 334.)

Assim, entendemos que quando a palavra é pregada (conceito clássico do arminianismo) a graça preveniente vai até o homem e o capacita a responder ao chamado do evangelho. Logo, em primeira instância, a graça capacita o homem a responder em fé, mas a graça após a capacitação pode ser resistida. Sem a ação da graça homem algum se salvaria, pois tem seu arbítrio escravizado pelo pecado e precisa ser liberto pela graça preveniente. Isso fica evidente nas palavras de Armínio:

 “É totalmente certo que nada de bom pode ser realizado por qualquer criatura racional SEM ESTA AJUDA ESPECIAL DA SUA GRAÇA.” (Wagner, 93)

E também:

“Ao que concerne graça e livre arbítrio, isto é o que ensino de acordo com as Escrituras e com o consentimento ortodoxo: o livre arbítrio é incapaz de começar ou melhorar qualquer verdadeiro bem espiritual sem a graça” (Wagner, 376)
“Portanto, se “onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2 Co 3:17); e “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8:36), segue-se que a nossa vontade não é livre desde a primeira queda. Isto é, não é livre para o bem, A NÃO SER QUE SE TORNE LIVRE PELO FILHO ATRAVÉS DO ESPÍRITO.” 

(John D. Wagner, ed. Arminius Speaks: Essential Writings on Predestination, Free Will, and the Nature of God (Eugene, OR: Wipf & Stock, 2011, 5.)


Com isso fica claro que para o Arminianismo o homem não pode se converter sem que antes seja alcançado pela graça. A graça é que capacita e (caso não resistida) leva à regeneração. Robert E. Picirilli explica:

“A palavra “preveniente” significa “antecipando, indo à frente ou que precede”. (fonte: Robert E. Picirilli, Grace, Faith, and Free Will: Contrasting Views of Salvation: Calvinism & Arminianism (Nashville: Randall House, 2002), 153.)

 Picirilli ainda explica: 

“O que Arminius quis dizer com ‘graça preveniente’ é que a graça precede a regeneração e que, exceto quando é resistida até o fim, inevitavelmente leva à regeneração”. (Fonte: Picirilli, 153).

O conceito arminiano é fiel ao texto de Atos 7.51, pois mostra claramente que a graça pode ser resistida, e foi exatamente isso que eles [os ouvintes de Estevão] fizeram: resistiram ao Espírito Santo.

Agora que refutamos o espantalho de Clark vamos as suas próximas colocações. Ele diz:

“Em resposta a isso pode ser dito que certamente as operações do Espírito Santo,
em alguns circunstâncias, podem ser resistidas. O que os oponentes devem mostrar é que a intenção do Espírito Santo para converter um indivíduo em particular pode ser resistida. Nem todas as operações do Espírito têm como objetivo a conversão de alguém. Não há nenhuma evidência em Atos 7 de que o Espírito Santo estava tentando converter os perseguidores de Estevão. Nem todas as operações do Espírito têm como objetivo a conversão de alguém. Aqui não há nenhuma evidência em Atos 7 de que o Espírito Santo estava tentando converter os perseguidores de Estevão. ”

Chega a ser inocente essa afirmação de Clark em dizer que neste caso não era a intenção do Espirito Santo salvar aqueles ouvintes de Estevão. Ora, se olharmos para o contexto, veremos as seguintes verdades:

I -  Em Atos 6.7 diz que a palavra de Deus em Jerusalém multiplicava o número de discípulos e no verso 8 diz que Estevão estava cheio do Espírito Santo e fazia muitos prodígios e sinais entre o povo. Muitas pessoas se convertiam através da pregação do primeiro mártir. Isso fica evidente pelo fato dos da Sinagoga se levantarem para contender contra Estevão, mas a Bíblia diz que Estevão estava cheio de sabedoria do Espírito e os que contendiam com ele não podiam vencer as palavras inspiradas pelo Espírito dirigida a toda a sua plateia.

II - Diante do que foi falado no ponto anterior, fica evidente que muitos ali foram convertidos através da pregação de Estevão, que foi inspirada pelo Espírito, e outros, mesmo tendo entendido o que ele falava e vendo que a sabedoria do mesmo era incontestável devido ao poder do Espirito Santo, decidiram endurecer o coração e procurar calar a verdade que estava sendo pregada com falsas acusações e falsas testemunhas.

III - Estevão conclui seu discurso dizendo que eles eram iguais a seus pais que resistiram às manifestações do Espirito Santo no Antigo Testamento matando os que lhe eram enviados.

Com o que foi apresentado até aqui, fica claro que os adversários de Estevão receberam a mesma palavra que fez com que muitos se convertessem, pois o contexto diz que alguns sacerdotes estavam se convertendo (At 6,7). Esses homens não se converteram por resistirem a ao Espírito Santo. Não existe nada no texto que diga o contrário.
Tendo mostrado o erro de Clark até aqui, vamos prosseguir com suas falas. Clark diz:

“Eles eram incircuncisos de coração e ouvido. Eles não deram nenhuma evidência de ter até mesmo o que os arminianos chamam de graça suficiente para aceitar Cristo pelo livre-arbítrio. Eles estavam endurecidos contra Deus e resistiram ao Espírito à medida que o mesmo dirigia Estevão quanto ao que dizer. Não há nenhuma referência no capítulo a alguma operação interior do Espírito nos corações dos fariseus. Eles resistiram ao Espírito à medida que o mesmo operava em Estevão. Suponhamos, contrariamente, ao tom de todo o capítulo, que o Espírito realmente intentou regenerar esses fariseus, ou alguns deles. Os arminianos teriam então que mostrar que essas pessoas não foram mais tarde regeneradas.”

Algumas observações devem ser feitas sobre essas palavras para livrar o leitor de um pensamento equivocado da teologia arminiana.
Em primeiro lugar, o Arminianismo não acredita que o homem possui capacidade de começar o processo de salvação, mas que é o Espírito Santo que é o inicio, meio e final da salvação. Porém, a ação do Espirito é em primeiro lugar libertar o arbítrio, que por causa da queda se encontra cativo em delitos e pecados. Contudo, essa ação não é irresistível, e o texto de Atos 7. 51 deixa bem claro que aqueles homens estavam resistindo à ação da graça e que eles entenderam que não podiam vencer as palavras inspiradas de Estevão. Conforme já falamos, para Armínio a graça vem através da pregação do evangelho para capacitar a resposta, libertando o arbítrio. Sobre isso, Zwinglio Rodriguez diz em seu livro “Uma introdução ao Arminianismo Clássico”, na página 45:

“O Espírito Santo age poderosamente na alma humana com vistas à salvação dela. O que está em curso é a iluminação e não, ainda, uma vivificação que ainda pode ocorrer desde que a pessoa não rechace a graça ao resistir ao Espírito Santo.”

Zwinglio conclui citando o teólogo puritano John Owen, quando diz que existem certo efeitos internos que precedem a regeneração, que são: a iluminação, convicção e a reforma.
A iluminação diz respeito apenas à mente; a convicção diz respeito à mente, consciência e afeições; e a reforma diz respeito ao comportamento. Só depois da reforma que uma pessoa é regenerada, se tornando uma nova criatura.
As palavras de Zwinglio e Owen ilustram claramente o caso dos incircuncisos de coração que ouviram a pregação de Estevão. É notório no texto que eles entenderam que Estevão falava a verdade, pois os mesmos não podiam contestar o que era pregado. Assim, resistiram à mensagem inspirada pelo Espírito Santo e, consequentemente, ao próprio Espírito Santo.
Portanto, quem deve mostrar onde o Espírito Santo não queria salvar é o próprio Clark, não os arminianos.

O interessante é que para Clark o texto não dá a menor ideia que o Espirito Santo queria salvar aqueles homens, mas o texto é claro em afirmar que várias pessoas (incluindo sacerdotes) estavam se convertendo com o que estava acontecendo. Em contrapartida, Clark ignora completamente o que o texto está dizendo para impor sua teologia. Ele parece perceber que fica difícil dizer que o Espírito Santo não queria salvar os homens contrários a Estevão e que eles não resistiram ao Espirito Santo, pois ele começa a dar alternativa para o caso de se aceitar o que o texto realmente diz. Clark então parte para o argumento de que posteriormente esses homens tenham se convertido. A questão ignorada aqui é que o escritor inspirado relatou os acontecimentos de maneira a nos mostrar uma verdade, e a verdade que está sendo passada é que esses homens resistiram ao Espírito Santo. Por sua vez, a conjectura apresentada por Clark de que eles foram regenerados posteriormente coloca no texto algo que o texto não diz. É um erro colocar no texto sagrado algo não revelado acima do revelado!
O argumento de Clark pode ser usado de maneira contrária, pois poderíamos dizer que os calvinistas devem provar que eles foram regenerados posteriormente ou que o Espírito Santo não os queria salvar. Todavia, a dificuldade maior recai sobre o calvinista, pois o texto é claro em falar que aqueles homens resistiram ao Espirito de Deus. É isso que entendemos ao observar a própria acusação de Estevão aos fariseus. É importante analisar isso, pois ele (Estevão) falava a judeus e, portanto, devemos entender o que aquelas palavras significavam naquela ocasião. Estevão diz:

I – “Homens de dura cerviz” (verso 51) –  A expressão aqui é “sklerotrachelos”, usada apenas essa vez no Novo Testamento e traz a ideia de um boi teimoso que se recusa a receber o jugo no seu pescoço. É a mesma expressão que a Septuaginta usa em Êx 33.3, que diz: 

“A uma terra que mana leite e mel; porque eu não subirei no meio de ti, porquanto és povo de DURA CERVIZ, para que te não consuma eu no caminho.”

Em ambos os casos a palavra significa não aceitar ou resistir algo de maneira teimosa. Assim, quando Estevão os chama de HOMENS DE DURA CERVIZ, ele está dizendo que os fariseus eram homens teimosos e como bois teimosos se recusavam a aceitar o que se estava sendo posto para eles.

II -  “Incircuncisos de coração e ouvidos” – Para os judeus, ser um incircunciso significava alguém que resistia obstinadamente à revelação dada por Deus, ou seja, um desobediente teimoso. Isto é, a frase no texto significa: “Vocês fecharam os seus ouvidos à Verdade de Deus”.

III – “Como fizeram os vossos pais, assim também vós [...]” – Estevão está falando de algo que eles conhecem e, ao falar que eles eram iguais a seus pais, os está acusando de não cumprirem as palavras inspiradas de Moisés, quando diz: 

“Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa cerviz.” (Dt 10.16)

Assim como os antigos endureceram seus corações à Palavra de Deus ao se recusarem a aceitar a revelação da vontade de Deus, os fariseus estavam recusando aceitar a revelação de Deus trazida pelo Espírito Santo que inspirou Estevão a falar aquelas palavras. Desta forma, é inviável negar que os fariseus resistiram ao Espírito Santo.

O desespero de Clark é claro quando ele prossegue:

“É claro a partir da Escritura que frequentemente Deus prepara um homem para a conversão através de vicissitudes anteriores. O homem resiste a princípio. Mas na plenitude do tempo, Deus o regenera.”

Essa é uma argumentação muito usada por calvinistas para fugir dos textos das Sagradas Escrituras, dizendo que os textos onde vemos pessoas resistindo ao Espírito Santo não querem na verdade dizer o que está escrito. 

Clark continua com uma incerteza ao dizer:

“Na verdade, embora não seja mencionada nesse capítulo, essa pode ter sido a intenção de Deus com respeito ao jovem que guardou as roupas dos fariseus enquanto eles apedrejavam Estevão. O jovem Saulo resistiu, juntamente com os outros. ”

Mais uma vez Clark faz uso de outra conjectura ao dizer que foi isso que começou a fazer com que Saulo se convertesse, mas a verdade é que se o texto não diz, então, não deve ser colocado como verdade. Além do mais, Paulo continuou a perseguir os cristãos até seu encontro com Cristo no caminho de Damasco (sobre isso tratarei nos próximos comentários da fala de Clark). Clark continua:

“Mas ele [Paulo] não resistiu de uma forma que o Espírito foi compelido a desistir. Esse ainda não era o tempo para a conversão de Paulo, mas apesar de tudo, Deus estava operando irresistivelmente.

Outra tentativa de afirmar o que o texto não diz! O Espírito Santo vai a todos os ouvintes através da pregação da palavra de Deus e, caso não seja resistido, salva o homem. O homem só não é salvo se persistir em resistir à graça e endurecer seu próprio coração. A palavra de Deus nos revela pessoas como faraó, que insistiu em endurecer seu coração e foi punido por Deus com mais endurecimento. É o mesmo caso dos homens de Romanos 1 que persistiram em seus pecados mesmo tendo conhecimento de Deus. Paulo não chegou ao estagio dessas pessoas e por isso não foi desobediente à voz do Espirito de Deus (Atos 26.19). Fica evidente que Clark tenta desesperadamente colocar no texto algo que o mesmo não diz. Porém, ele prossegue:


“Em geral, embora seja muito improvável que os fariseus desse capítulo foram alguma vez convertidos, os arminianos teriam que provar os dois pontos antes de poderem usar um versículo como esse. Eles teriam que provar que a operação particular do Espírito tinha o propósito de regenerar um homem, e que esse homem nunca foi regenerado. Essas duas coisas não podem
ser provadas.”

É curioso que mais uma vez Clark tenta jogar a responsabilidade de provar o que o texto não diz para os arminianos, mas como demonstrei, quem tem que provar dois pontos aqui é o calvinista, não o arminiano. O calvinista deve provar que o Espírito de Deus não queria salvar os fariseus e que, posteriormente, eles foram salvos. Esses dois pontos não podem ser provados (usado as mesmas palavras de Clark), mas o arminiano tem a vantagem de se apegar ao texto sem fazer nenhum malabarismo.

Fonte: Blog Pentecostais verdadeiros