
Recentemente li um texto onde o calvinista John Gill tenta colocar calvinismo em Clemente de Roma. Fui procurar na minha biblioteca as referencias que o renomado calvinista cita como prova, mas ao me deparar com os escritos diretamente de Clemente de Roma, pude ver que Gill se equivocou em suas colocações. O presente artigo tem como objetivo responder ao renomeado calvinista colocando os textos dentro do contexto para que possamos ver a real teologia deste pai apostólico.
Gill começa com a seguinte declaraçao:Clemente diz:
"Quando Ele quiser, e
como Ele quer, Ele faz todas as coisas, e que nenhuma das coisas, que são
decretadas por Ele, passará ou não será cumprida”
O que mostra o seu senso de
dependência de todas as coisas sobre a vontade de Deus e da imutabilidade de
seus decretos em geral.
Resposta
De acordo com Gill, essa citação é
prova inequívoca que para o referido pai apostólico, todas as coisas acontecem
porque foram decretadas por Deus. Para Gill, todas as mazelas da sociedade
foram determinadas por Deus, mas será verdade que Clemente pensava assim? Vamos
à citação:
"Nessa esperança, nossas almas
se juntam Àquele que é fiel nas promessas e justo nos julgamentos. Aquele que
ordena não mentir, não mentirá! Nada é impossível para Deus, exceto mentir.
Reacenda-se, portanto, em nós a fé n’Ele, e reflitamos que todas as coisas
estão próximas d’Ele. Com uma palavra sua de majestade, Ele constituiu todas as
coisas, e com uma palavra Ele pode destruí-las. ‘Quem lhe perguntará: que
fizeste? Ou quem resistirá ao poder de sua força?’ Ele fará tudo o que quiser e
como quiser, e nada passará daquilo que foi por Ele decretado. Tudo é presente
para Ele, e nada escapa à sua vontade. Pois ‘os céus narram a glória de Deus, e
o firmamento anuncia a obra de suas mãos; o dia a transmite ao dia, e a noite a
dá a conhecer à noite; não existem palavras, nem línguas que não ouçam suas
voz’.” (1)
Perceba que a citação de Gill esta
recortada e a conclusão que ele faz é desonesta. Veja a citação feita por ele
mais uma vez:
"Quando Ele quiser, e
como Ele quer, Ele faz todas as coisas, e que nenhuma das coisas que são
decretadas por Ele, passará, ou não será cumprida."
Por aqui o leitor já percebe que
tem algo errado quando compara a citação inteira com a recortada, mas agora
vamos à conclusão de Gill que diz:
"O que mostra o seu
senso de dependência de todas as coisas sobre a vontade de Deus e da imutabilidade
de seus decretos em geral."
É lógico que a conclusão de Gill
visa provar que para Clemente, cada detalhe do universo foi causado por Deus.
Porem, tal conclusão é precipitada pelo fato de não se analisar o contexto e
por entender os decretos de Deus como sendo fatalistas a ponto de pensar que
todas as coisas são determinadas por Deus. Repare que nem a parte que Gill cita
fora de contexto prova o calvinismo:
"Ele fará tudo o que
quiser e como quiser, e nada passará daquilo que foi por Ele decretado. Tudo é
presente para Ele, e nada escapa à sua vontade."
Em primeiro lugar, eu como
arminiano não tenho problemas com essa frase, pois entendo que Deus faz
exatamente "o que quer" e "como quer". Em sua soberania
Deus decretou:
1) Decretou que nomeava seu filho
Jesus Cristo mediador, redentor, salvador, sacerdote e rei.
2) Decretou que receberia em favor
aqueles que livremente (capacitados por sua graça) se arrependessem e cressem
em Cristo.
3) Decretou que administraria os meios
que eram necessários ao arrependimento e à fé:
“Pela graça preveniente, o
homem recebe poder para crer. A capacidade provém de Deus, porém o ato de crer
deve ser ação própria do homem.” (Wynkoop, 2004, p. 58).
“A graça não é uma causa
divina arbitrária, mas o dom de Deus que capacita o homem.” (Ibid, p. 61)
4) Decretou a salvação ou a
perdição das pessoas baseado na presciência.
Esses são decretos de Deus que todo
o arminiano concorda. Cremos que Deus faz a sua vontade e que Ele decretou que
a salvação seria para aqueles que, capacitados pela graça, livremente cressem
em Cristo! Existem decretos que Deus quis que fossem condicionais (exemplo: a
Salvação) e decretos que são incondicionais (exemplo: a volta de Jesus).
Portanto, é forçar a barra concluir
que apenas porque Clemente diz que "Deus faz tudo o que quer e como
quiser, e nada passará daquilo que foi por Ele decretado" é indicio de
calvinismo na patrística. É lógico que Ele faz o que quer e que seus decretos
vão se cumprir, mas nem de longe isso indica que os assassinatos, pedofilia,
estupros, roubos, latrocínios, suicídios, infanticídios, violências e varias
outras aberrações foram causadas por Deus. Pensar assim é não levar em conta a
própria epístola, pois a mesma diz:
"Portanto, se tudo Ele
vê e ouve, temamos (a Deus) e destruamos os desejos impuros das ações vis, para
que sejamos protegidos, pela sua misericórdia, dos julgamentos futuros."
(2)
É interessante que Gill não leu o
que Clemente diz logo abaixo do texto que ele (Gill) citou. A condicionalidade
do texto é clara para qualquer pessoa ver! Para Clemente de Roma, precisamos
destruir "os desejos impuros" das "ações vis" para que
assim possamos ser protegidos pela misericórdia (ou graça) de Deus. Em outras
palavras, precisamos não resistir à graça de Deus para escaparmos da
condenação. É interessante que ele vai mostrar a importância de vigiar para não
ser condenado no texto que segue:
"Caríssimos, vigiai
para que seus numerosos benefícios não se tornem condenação para nós, caso não
vivamos de maneira digna d´Ele, realizando na concórdia o que é bom e agradável
aos seus olhos. Com efeito, em algum lugar se diz: ‘O espírito do Senhor é
lâmpada que perscruta as profundezas das entranhas’. Consideremos que Ele está
próximo e que nada lhe escapa de nossos pensamentos e de nossas decisões
interiores”. (3)
Clemente aconselha as pessoas a
vigiarem para não serem condenadas. Parece-me estranho que ele fale isso se
realmente cresse em algo parecido com o calvinismo, não é mesmo? Porém, vemos
que ele cria em coisas completamente diferentes como, por exemplo, a
possibilidade de todos se arrependerem. Ele diz:
"Percorramos todas as
gerações e aprendamos que, de geração em geração, o Senhor deu possibilidade de
arrependimento a todos aqueles que queriam converter-se a Ele."
Interessante, Então Deus deu
possibilidade de arrependimento a todas as pessoas que QUERIAM SE CONVERTER? É
exatamente isso que o texto diz! Ele deixa ainda muito mais claro citando o
exemplo de Noé, veja:
"Noé pregou o
arrependimento, e os que o escutaram foram salvos."
Citando Jonas:
"Jonas anunciou a
catástrofe aos ninivitas, e esses se arrependeram de seus pecados; aplacaram a
Deus com suas súplicas e obtiveram a salvação, embora fossem estrangeiros em
relação a Deus."
Os ministros da graça:
"Os ministros da graça
de Deus falaram sobre o arrependimento, por meio do Espírito Santo."
O Senhor Jesus Cristo:
"E o próprio Senhor do
universo falou do arrependimento, jurando: ‘Eu vivo, diz o Senhor, e não quero
a morte do pecador, e sim que ele se arrependa’.”
E acrescenta também um propósito
bom:
“Casa de Israel
arrependei-vos de vossa iniquidade. Dize aos filhos do meu povo: Ainda que
vossos pecados cheguem da terra até o céu, e que sejam mais vermelhos que o
escarlate e mais sujos que o pano de saco, se vos converterdes a mim de todo o
coração, e disserdes: Pai! — eu vos escutarei como povo santo. Em outra
passagem, Ele diz assim: ‘Lavai-vos e purificai-vos; tirai da presença dos meus
olhos a maldade de vossas almas; acabai com as vossas maldades. Aprendei a
praticar o bem, procurai a justiça, libertai o oprimido, defendei o órfão e
fazei justiça à viúva. Depois, vinde e discutamos, diz o Senhor. E ainda que
vossos pecados estejam como a púrpura, eu os tornarei brancos como a neve; se
estiverem como o escarlate, eu os tornarei alvos como a lã. Se quiserdes me
ouvir, comereis dos bons produtos da terra; mas, se não quiserdes me ouvir, a
espada vos devorará’. Isso, de fato, foi a boca do Senhor que falou. Na sua
onipotente vontade, Ele decidiu que todos os seus amados tenham possibilidade
de arrependimento.” (4)
Com tudo isso que foi postado, fica
evidente que Gill (assim como uma pagina por ai...) errou e errou feito ao
tentar por calvinismo em Clemente com essa citação!
Texto: Pr. Anderson de Paula
Revisão: Aléfe Bird
Texto: Pr. Anderson de Paula
Revisão: Aléfe Bird
Fonte: (1) Das citações: Clemente
de Roma, Pais Apostólicos - Primeira Epístola aos Coríntios, 2ª Edição da
Editora Paulus pagina 23.
(2) Ibird: Pg 17.
(3)Ibird: Pg 21.
(4)Ibird: Pg 16.